sexta-feira, 25 de julho de 2014

Os outros

Às vezes, ser podia não pesar. Podia não ofender. Podia não renegar. Às vezes o espelho podia sorrir. Podia não assombrar.
Diante de algumas vozes da vida, a pessoa interior grita. O passarinho preso na gaiola da alma pede pra bater asas em outro peito, em outro campo. Outra morada.
Do que adianta ser quem se é, se ser quem se é não agrada? Mas do que adianta ser quem não se é, se ser quem querem que sejamos não basta?
Durante toda a minha vida lutei para agradar e ter uma imagem que causasse afagos, não embargos. Não adiantou. Nunca consegui ser quem gostariam que eu fosse. Nunca agradei sendo isso que gostariam que eu fosse.
Depois de dolorosos processos de aceitação, percebi que o problema não está em ser quem sou, mas sim nas pessoas que me veem como eu não sou. Não adianta me vestir de verde, porque a maioria me prefere assim. Se eu gosto do amarelo, do azul, do rosa ou do incolor, é assim que minhas cores devem exalar.
A gente tem disso, de por medo de ser diferente, aceitar ser igual. Aceitar ser moldado. Aceitar modelar. Aceitar caber dentro dos padrões. Dos tamanhos p’s. Dos discursos.
Todos temos qualidades. Alguns escrevem, outros cantam, outros riem, outros fingem, outros dançam, outros fazem dançar. Alguns ainda pintam, outros rabiscam, alguns desenham, outros grafitam. O que me faz diferente dos outros bilhões de pessoas no mundo são os meus defeitos.
Porque ninguém tem o meu péssimo humor matinal. Ninguém rói unha como eu. Ninguém desgosta de comer cebola e abóbora. Ninguém prefere dormir no escuro e odeia barulho. Ninguém tem as minhas manias. Ninguém tem as minhas vontades. Ninguém, além de mim, sou eu.
Às vezes, ser podia não pesar (para os outros). Podia não ofender (os outros). Podia não renegar (para os outros). Às vezes o espelho podia sorrir (para os outros). Podia não assombrar (os outros).
Mas do que adianta ser quem não se é, se ser quem querem que sejamos não basta? Do que adianta ser quem se é, se ser quem se é não agrada? Do que adianta abaixar a cabeça, se minha vontade é gritar?
Que me desculpem os outros, mas eu sou por mim. Já passei da fase de me perder por ai, achando que ser quem queria que eu fosse era o único jeito de ser possível. Ninguém, além de mim, sou eu. E por mais que pra muita gente isso não signifique nada, pra mim, vale tudo.

(Matheus Rocha)

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